Festival Campão Cultural – Cobertura Afetiva

Por Val Becker

A capital do Mato Grosso do Sul viveu dias de intensa programação cultural, em uma profusão de sentimentos, tons, cores e emoções. De 22 de novembro a 05 de dezembro aconteceu o “Festival Campão Cultural – arte, diversidade e cidadania”, o primeiro grande festival de Campo Grande. Promovido pela Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul, pela Secretaria de Estado de Cidadania e Cultura (Secic) do governo estadual e pela Secretaria de Cultura e Turismo do município de Campo Grande, o evento reuniu mais de 150 atrações, regionais e nacionais, que tomaram conta da cidade, não só da região central, mas de 10 bairros da capital e dos distritos de Anhanduí e Rochedinho.

A realização do “Campão Cultural” atendeu a uma antiga demanda da cidade de Campo Grande de ter o seu próprio festival artístico, visto que o estado já realiza os consagrados “Festival de Inverno de Bonito” e “Festival América do Sul Pantanal”, em Corumbá. Faltava à capital um evento que promovesse, da mesma forma, a cultura em todas as suas vertentes. Além de fortalecer os artistas e as manifestações culturais locais, da capital e do interior do MS, que totalizaram 70% das atrações apresentadas, passaram pelo festival nomes incensados da cena artística brasileira, como o Grupo Corpo – companhia de dança, Renato Teixeira, os rappers Djonga e Dexter, a grafiteira RafaMon, a dragstar, Potyguara Bardo, a banda Bixiga 70, Duda Beat, entre outras personalidades ligadas às mais de 20 áreas artísticas apresentadas.

Além das atrações artísticas, o evento realizou, ainda, a “Feira do Saberes” e a “Feira de Música de Campo Grande”, que promoveu palestras, debates de produtores de diversas partes do Brasil, um ótimo espaço para trocas, encontros e networking. Com mais de 75% de abrangência vacinal da população sul-mato-grossense, os produtores apostaram na possibilidade de realização do evento, que marca uma retomada cultural pós-vacina e mede possibilidades para os próximos festivais a serem realizados no estado.

Ouça aqui o papo que tive com a Soraia Ferreira, gerente de Difusão Cultural da Fundação de Cultura de Matogrosso do Sul e Coordenadora Geral do Festival. Falamos sobre como o evento foi criado, como foi o processo de curadoria, quais os propósitos, o foco na diversidade, o livre acesso da população, entre diversos outros assuntos.

Bem, feitas as apresentações, vou realizar, agora, uma espécie de relato de experiência sobre o evento, o que batizei de “cobertura afetiva” do Festival – um diário de bordo com tudo o que vi, ouvi e vivi por lá. Mas claro que vou ilustrar esse relato trazendo, não só os meus registros, mas, também, ao final, uma galeria de fotos oficiais do evento, como forma de mostrar a grandiosidade de tudo o que aconteceu por lá, independentemente da minha visão individual, do meu foco na música e do dia da minha chegada. Porque, não esqueçamos, o evento já estava rolando desde 22/11 e eu só aportei por lá no dia 01/12. Da próxima, quero chegar no primeiro dia e sair no último! Ahah. Acompanhe o diário:

Dia 1 - 01.12.21 - Do Rio para Campo Grande

Cheguei já à tardinha. A assessora de imprensa, Monica Ramalho, foi me buscar no aeroporto, passei no hotel e fui direto para a Esplanada Ferroviária, onde estava acontecendo a Feira de Música e onde poderíamos curtir os principais shows e atrações musicais do Festival. Desde que fui chamada para cobrir, tive os shows como o foco principal da minha cobertura. Mas não poderia deixar de conferir algumas das atrações que compuseram a rica oferta de manifestações artísticas do evento.

Já de cara, assisti a três atrações na Esplanada Ferroviária, que abrigou a feira e alguns shows e apresentações. Adorei a banda local Vozmecê, que mistura ritmos regionais com uma pegada pop e traz sanfona e bateria para a frente do palco, em destaque. O intervalo animado ficou por conta dos feras do Rockers Sound System, o primeiro Sistema de Som Artesanal especializado em música reggae do estado do Mato Grosso do Sul, que se apresentou em formato DJ.

Na sequência, foi a vez do show da Dona Zefinha, do Ceará, uma companhia cenomusical que mistura música e comicidade em seus espetáculos. Eles fizeram um programa de rádio, misturando locuções e música. De surpresa (pra mim), chamaram a participação do músico, jornalista e coordenador de comunicação do festival, Rodrigo Teixeira. Bah! E não é que descobri que ele é gaúcho?! Bem, o espetáculo foi um verdadeiro (e divertido) programa de auditório. E, ali, já começava a me sentir em casa. Além das atrações todas, vivi por lá um maravilhoso encontro sucessivo de amigos de infância; uns, que eu acabava de conhecer e outros, que eu já conhecia de longa data, do Rio, e que eu não fazia ideia de que estariam por lá ou mesmo de que morassem lá. A rua estava alegre e festiva.

E por falar em rua alegre e festiva, um dos pontos altos do festival foi a intervenção urbana dos artistas do graffiti. A gente sabe que um festival desse porte deixa marcas definitivas nas pessoas, na cultura da cidade, na memória dos locais e dos visitantes. Mas de todas as manifestações artísticas que passaram por lá, a que garantiu registrar fisicamente o evento e deixar um legado para a cidade foi a arte do graffiti. Diversos artistas se espalharam pela cidade, levando a sua arte para colorir as ruas, se expor, passar mensagens de paz, de amor, de cuidado com o meio ambiente, de respeito às diferenças.

As manifestações vieram de artistas locais, mas, também, de artistas visuais convidados, como a RafaMon, do Rio de Janeiro e a dupla Gramaloka e Hyper (MG). Mas quem fala melhor sobre a arte de rua e seus desdobramentos é a articuladora de todo o cenário por lá, Lidiane Lima (aka Mãezoka), Coordenadora do Núcleo de Audiovisual da Fundação de Cultura do MS, no nosso papo a seguir. Entre outros assuntos ela fala das diversas manifestações de que envolvem a cultura de rua, o hip hop, a moda, a cultura vogue (LGBTQIA+), entre outras expressões, além do graffiti. Ela fala do intercâmbio periferia-centro, diversidade e cidadania e pertencimento. O papo foi tão lindo, que no final até chorei. Dá um confere: 

Aliás, dá só uma sacada no clima deste primeiro dia:

 

DIA 02 – 02/12: Giro Geral

No segundo dia de Campão, a equipe de jornalistas ficou fazendo entrevistas e trabalhando em pautas e outros afazeres até a hora do almoço, que foi lá pelas 15h. Na saída do restaurante, fomos dar um giro pelas atividades. Na Fundação de Cultura estava rolando Oficina do Passinho, com “Os Fabullosos”, do Rio de Janeiro e resolvemos dar um confere por lá. Como a oficina já estava acontecendo há alguns dias, ficamos de plateia mesmo, mas a vontade que deu foi de sair dançando!! Os caras mandam muito e a turma de alunes não ficou atrás. Se engajou e entrou na dança bem direitinho.

Na saída de lá, fomos assistir à aula-palestra do mestre Rodrigo Teixeira (RodTex), “A influência paraguaia na música do Mato Grosso do Sul”, no Armazém Cultural (Feira da Música). Ele fez uma linda e esclarecedora explanação, que começava contando a história do estado de Mato Grosso do Sul, desde a época do Tratado de Tordesilhas e como foi acontecendo a expansão do território brasileiro até chegarmos ao tamanho que temos hoje. Mas as culturas dos povos extravasam fronteiras e se miscigenam em vários aspectos. O foco dele foi o musical. A partir daí, discorreu e ilustrou a forma como a cultura brasileira e paraguaia de misturam musicalmente, ali, na fronteira e no estado que transformou a música caipira, dando origem à música sertaneja que temos hoje. Ainda na Feira da Música, visitamos alguns stands, entre eles, o do Museu da Imagem e do Som do MS.

Na Esplanada Ferroviária, rolaram os shows da noite. Abrindo a programação, SoulRa, cantora de hip hop local. Na sequência, teve o DJ TGB, também do MS e a noite fechou com o mineiro (e bombado) rapper Djonga, de Minas Gerais, que lotou o gramadão da Esplanada e fez a galera cantar seu som em coro. Ficou difícil até de fazer imagem. Não quis, claro, entrar na multidão. Mas você vai poder conferir tudo na galeria de fotos oficiais, que posto mais abaixo. Acabou o show, fomos jantar e dar uma esticada no bar da Aguena, ponto de encontro dos inimigos do fim campo-grandenses. Estava um caco, mas não podia deixar de conferir. Neste dia, logo depois da palestra do RodTex, fiz uma entrevista com ele. Falamos sobre o conteúdo da aula e, também, sobre a importância do Festival para a cena cultural sul-mato-grossense. Bora ouvir?

Dá um confere no video-clima desse dia:

DIA 03 – 03/12: A noite memorável!

Depois de conhecer o pico dos inimigos do fim de CG, na noite de ontem, é claro que acordei beeeem cansada. Mas nada impediu que eu tivesse muita vontade de continuar explorando as maravilhas do Festival. A essas alturas, eu já estava me sentindo integrada com a cidade e tudo o que estava rolando. E mais, eu sabia que a noite reservava conteúdos especiais. Logo de manhã, fui até a Fundação de Cultura do MS, conversar com a Soraia Ferreira e a Lidiane Lima. Aproveitei, e dei uma rápida olhada no collab dos artistas visuais Gramaloka e Hyper (MG), que construíram um graffiti na lateral de um prédio no centro da cidade – uma obra que evidencia as etnografias e os povos originários locais esquecidos pela sociedade, através da imagem (LINDA!) de uma mulher indígena.

Aliás, já tinha separado nas minhas anotações a vontade de conhecer o trabalho de Auá Mendes (AM), artista indígena transvestigênere, que apresentou a palestra “Transvisual”, no início da noite. Foi bastante forte. “Eu quero que no futuro, essa obrigação de procurar o espaço de fala não seja mais necessária, pois estaremos nos espaços que são nossos”, disse ela. Ela fala sobre a matança de indígenas e de pessoas trans, a cultura do extermínio desenvolvida com a colonização; como a cultura colonialista nos forçou a definir uma identidade de gênero, entre outros diversos assuntos. E deixa a dica: pesquisem os artistas e os profissionais indígenas, “eles existem”. Ouve aqui:

Bem, saindo de lá, corremos para o energético show do Bixiga 70 (SP), no Palco Zé Pretin! Sem palavras. Dancei até dizer chega. E nada chegava!! O chopp artesanal embalou e fomos nos divertindo noite adentro. Na sequência, show d’Os Alquimistas (MS), no Esplanada Botequim. A essas alturas, já estávamos todos completamente integrados, família mesmo. O batera da banda, Boloro, já tocou no Sebo Baratos, do Mauricio Gouveia, parceiro da Rádio e apresentador do Clube do Vinil e por aí vai.  Já deu pra ver o nível de “estamos juntos” que tava rolando. Desce dois, desce mais e a noite foi virando dia. Ao final, a dupla amada de anfitriões, Cla e Beto, me levou de novo pro Aguena. Sim, as noites têm que acabar por lá. De chegada, já vimos o Lê e aquele clima de chegar no bar do seu bairro se instalou. E rolou uma jam-violão, a céu aberto, até o raiar do dia!! Sabe aquelas noites inesquecíveis? Então… O festival foi feito de atrações artísticas e pessoais. Sim, fomos nos atraindo mutuamente até formarmos um grande grupo com muitas afinidades.

E o que comentei com todos os organizadores e participantes: o clima pelas ruas foi de amor e felicidade. Estava estampado no rosto de todo mundo, em todos os lugares.

Para sentir o clima do dia/ noite:

 

DIA 04 – 04/12: A saideira!

No quarto dia de cobertura, parecia que já estava há um mês em Campo Grande. Totalmente integrada, fazendo parte da trupe, trabalhando e me divertindo na mesma medida. Claro que acordei bem cansada, mas nada que tirasse o fôlego para mais um dia de entrevistas e registros. Perdi o bonde pro rolezão pela cidade de manhã, mas fomos comer um peixe maravilhoso no almoço e à noite eu já estava plena, plena, plena, como Potyguara Bardo. Chegamos na Esplanada Ferroviária e estava começando o show do Dovalle. Nossa, me encantei de cara com aquela figura de cabelos enormes, balançantes e que era a cara do Moraes Moreira!! Emoção instantânea, com seu cantar calmo, voz miúda e afinadíssima, letras e melodias nada comuns. Filosofia pura! E um clima de década de 1970 danado, aquele baixo suingado a la black rio, uma pérola!! 

Nesse meio tempo, demos uma escapadinha pros bastidores para gravar uma sonora com a “duenda”, Potyguara Bardo. Confesso que conhecia pouco o seu trabalho, mas foi amor à primeira vista. Que pessoa, gente! Que pessoa… delicada, acessível, disponível, com um carisma inigualável. Sabe aquelas figuras que têm luz própria? Pois é… Ouve aqui o que a gente conversou:

Depois da entrevista, fomos dar um rolé pela rua, sentir o clima bom do evento. Em um dos muros, rolava um vídeo mapping com o VJ Suave. Lindas imagens, importantes mensagens passadas em animações que encantaram as crianças de todas as idades. A gurizada interagiu com o muro e seus movimentos rs. Dá pra ver no vídeo-clima do dia abaixo. Mas, entre um giro e outro, topo de novo com o Boloro, d’Os Alquimistas. Agora, sim, gravei sonora com ele e, no meio, descobri que ele estava trabalhando na produção do festival também!! Escuta só:

Começou Potyguara, corre!!! E fomos pro gargarejo. Na verdade, acabei ficando ao lado do palco e pude ver TUDO! Que delícia de show. Fiquei encantada MESMO. Bem, logo em seguida, fomos jantar na Feira Central, uma espécie de big praça de alimentação, com stands que vendem do picolé ao churrasco, passando por pasteis, tapiocas, comidas típicas do MS, culinária japonesa, box de temperos e, no final, uma feira de roupas, eletrônicos e brinquedos. Fiquei devendo experimentar o sobá. Só hoje descobri que tem o veggie… tsc tsc.
Voltando do jantar, em direção à Esplanada, demos de cara com o Dovalle. Ah! Que figura doce e gentil. Prontamente se dispôs a falar comigo. Ele fala da cena musical da cidade e do estado, conta como deu início às suas composições, a importância do Festival, entre outros assuntos. E o resultado do papo você confere aqui:

Voltamos para Esplanada para assistir ao show da banda Curimba e, logo em seguida, ao tão esperado show da Duda Beat, o primeiro dela na retomada pós-vacina. Mas eu já sabia que ela tinha ensaiado à beça, incessantemente e que estava pronta para reestrear em grande estilo. Bora conferir. Ficamos no gargarejo de imprensa, entre a grade e o palco e pudemos “conviver” com toda a sua sensualidade e preparo a um palmo de distância. No repertório, sucessos novos e antigos, que fizeram o público cantar em coro. Som impecável, luz impecável e, sim, estava tudo muito bem preparado. Palmas para a produção, dela e do evento.

Lá pelas tantas, no mais clássico estilo “show do Foo Fighters”, um fã levantou um cartaz de “quero cantar com você” e ela chamou o cara pro palco! Ponto alto do show. O cara arrebentou, fez duo, arriscou vocalizes improvisados, fez coreô, carão, olho no olho, pas de deux com a Duda e o público foi ao delírio! Show quente; público quente. O show termina com a estourada “Bichinho” e o delírio da plateia, que gritava em uníssono “gostosa, gostosa, gostosa”.

E assim, começávamos a nos despedir do Festival. Ainda ia rolar mais um dia, com shows e atividades diversas, mas a equipe de reportagem – composta nessa segunda etapa de Festival por Pedro Alexandre Sanches, Beatriz Lourenço e eu – partiria no domingo (05/12) de manhã. E assim foi; assim, fomos!

Trago comigo o sentimento de realização, de felicidade, de aconchego, de amizade. Não conhecia Campo Grande, mas parece que já fazia parte daquela turma há ANOS. Do Festival, posso dizer que, pelo que conversei com todos, foi um desafio produzir um evento desse porte em um momento pandêmico, mas que a confiança no alto índice de vacinação do estado fez com que apostassem no presencial. A curadoria fez um excelente trabalho, selecionando artistas locais que compuseram 70% das atrações. Os outros 30%, foram preenchidos com artistas de todas as regiões do país, escolhidos à base de muita pesquisa e critério.

Foi uma primeira edição, mas, sem dúvida, o Festival Campão Cultural veio pra ficar e eu pretendo estar em todas as próximas edições. Particularmente falando, Campo Grande me conquistou. Agora quero conhecer as outras cidades, os outros Festivais do estado. Estado esse que me mostrou ter muita afinidade com a minha terra natal, o Rio Grande do Sul, o que me fez, entre outros motivos, me sentir tão em casa. Agora, é começar as preparações para cobrir tudo o que for feito por lá!

Agradeço imensamente a oportunidade. Nos vemos em breve!!

E, aqui, o último vídeo-clima da cobertura!

 

Como eu me senti ao chegar em casa? 🙂

Galeria de imagens oficiais